
A pandemia deixou o mundo diferente, lembrando-nos aquela frase de um conhecido filósofo de que “o homem é o homem e a sua circunstância”. Mas neste caso em concreto, prefiro convocar o saudoso Eduardo Lourenço quando disse que “somos hóspedes do instante, cada um de nós". E é na capacidade de compreendermos o instante em que vivemos que invoco um texto de 1905 escrito pelo historiador ilustre Cândido Teixeira, onde narra um "sonho dourado", antecipando o que seria Cernache em 1950, ou seja quase meio século depois. O texto é escrito em tom profético e imagina uma Cernache do Bonjardim sedenta de progresso e com uma face moderna. Nessa Cernache idealizada, podia encontrar-se um hotel moderno, uma sala de teatro de imponente traço arquitetónico, um observatório astronómico junto à capela de Santa Maria Madalena, um edifício do seminário consideravelmente ampliado, um novo hospital, um jardim botânico nas traseiras do seminário, uma linha de caminho de ferro que atravessava todo o Vale do Zêzere ou imponentes avenidas com árvores majestosas a delimitá-las. Como referia Cândido Teixeira no seu texto, este sonho não era "uma utopia, mas sim a evolução natural por que Cernache há-de passar". Cernache do Bonjardim é especial. Não o digo por puro bairrismo, mas apenas porque qualquer habitante do nosso Concelho rapidamente se aperceberá, que fomos bafejados pela sorte de ter um município, onde cabem vilas lindíssimas como a Sertã ou Pedrógão Pequeno ou aldeias carregadas de beleza quer seja na freguesia do Troviscal ou do Castelo. Parte do sonho de Cândido Teixeira não se concretizou. A linha férrea nunca aqui chegou; o observatório astronómico foi uma quimera, está em Constância; o hospital ainda chegou a ser ambição, mas outros interesses falaram mais alto; e o jardim botânico continua ausente. Mas a verdadeira Cernache da década de 1950 também deixaria uma ponta de orgulho a Cândido Teixeira. Foi nessa época que Cernache ascendeu a vila e como referia o decreto de elevação, esta decisão devia-se ao "grande desenvolvimento demográfico e urbanístico que se verifica na freguesia de Cernache do Bonjardim" e ao "notável incremento industrial e comercial". Mas Cernache não parou de sonhar e a lista de concretizações nos últimos 40 anos é bastante extensa.
Temos hoje uma vila moderna com uma feição marcadamente urbana e onde existe qualidade de vida. Temos serviços públicos, um polo escolar consolidado, com vários níveis, uma comunidade com bons empreendedores e com gente trabalhadora, ligações rodoviárias mais rápidas à sede de concelho e aos outros destinos, ainda que neste ponto haja ainda muito a fazer, sobretudo na requalificação da EN238. Se Cândido Teixeira regressasse hoje a Cernache sentir-se-ia vaidoso e ficaria agradecido pelo trabalho que todos nós, enquanto comunidade, conseguimos realizar. Cernache é melhor, mas pode ficar ainda melhor. E nesse ponto permitam-me sublinhar os muitos projetos previstos para esta vila, como é o caso do novo polo do SerQ, a remodelação do Mercado Municipal, lembrando o antigo Mercado Bittencourt, a mais do que anunciada requalificação da EN238, o reforço do investimento na Zona Industrial ou o aproveitamento turístico centrado culturalmente na figura de Nuno Álvares Pereira/São Nuno de Santa Maria. E a coroar tudo isso é preciso não descurar as dinâmicas positivas de que Cernache beneficiaria quando a Sertã fosse elevada a cidade. Já o disse anteriormente e repito-o: a nova cidade só será viável e inclusiva se para um geográfico contínuo entre a Sertã e Cernache do Bonjardim. É neste projeto de futuro que devemos posicionar Cernache, não como vila irrelevante como alguns a querem fazer parecer, mas como epicentro económico, cultural e turístico, de onde irradia progresso e desenvolvimento. Questionarão alguns se tudo está bem em Cernache do Bonjardim? Claro que não. Há ainda muito a fazer, porém é preciso não perder o foco. Temos uma missão espinhosa pela frente em áreas como o apoio social, a educação, a criação de emprego ou as infraestruturas rodoviárias. Todavia, Cernache precisa de sonhar e de preferência acordada, sonhar com os pés bem assentes na terra e com um desígnio de futuro. Todos temos a ganhar com isso, mas também todos temos a responsabilidade de continuar a construir aquela Cernache que gostaríamos de deixar aos nossos filhos e netos. Esta não é a hora decisiva. Esta é a hora de continuar a fazer acontecer.