
Puro engano! A importância do anúncio que o Presidente da Câmara Municipal da Sertã, José Farinha Nunes, fez à comunidade no passado dia 24 de junho obriga-nos a uma profunda reflexão e a evitar juízos precipitados, baseados em interpretações de circunstância e sem qualquer fundamento, como aliás tenho visto em alguns dos detratores desta ideia. A acutilância e pertinência do discurso ultrapassam, grandemente, aquilo que por vezes marca o efémero ‘combate político’. José Farinha Nunes obriga-nos a olhar o futuro, a problematizar todo um concelho, a equacionar que Sertã pretendemos nos próximos 20 ou 30 anos e, por fim, a adotar um desígnio que mais do que efabulado deve ser concretizado. Há dimensões do seu discurso que devem ser analisadas e, neste caso, permitam-me trazer à colação o exemplo de Cernache do Bonjardim. O presidente defende: “Uma visão que não se resume apenas à vila da Sertã, mas a todo o Concelho. Uma cidade que idealmente comece no extremo norte e se espraie até ao extremo sul”. Aqui reside o mote principal do meu texto. Cernache do Bonjardim é – e terá de ser – um dos eixos fundamentais da futura cidade. Sem Cernache não há cidade. Não tenhamos dúvidas disso! Esta visão assenta no conceito de conurbação, que remete para a proximidade física e a continuidade de áreas edificadas, embora aqui não se exclua a possibilidade de existir espaços verdes intersticiais. O eixo urbano Sertã-Cernache é um verdadeiro plano contínuo, não apenas geográfico, mas também de modos de vida e modos de produção. Embora a Sertã e Cernache do Bonjardim tenham vivências próprias e uma identidade singular, é possível verificar, através de uma análise desapaixonada, que é mais aquilo que as une do que aquilo que as separa. Ao contrário do que alguns senadores encartados disseram recentemente, na comunicação social, mais do que rivalidades estéreis, o que precisamos é de nos unir, pois uma cidade precisa de escala, necessita de uma visão ampla e concertada do território. Não haja dúvidas – e não nos deixemos embalar pelo canto das sereias ou ideias do passado – temos aqui uma oportunidade única de unir esforços e criar novas centralidades capazes de alcandorar o Concelho a uma posição de maior influência no contexto da Região Centro. Todos concordarão que num eixo litoral-interior, ligando as cidades de Coimbra e Castelo Branco, já deveríamos ter sido capazes de fazer nascer uma cidade que conseguisse ser catalisadora do desenvolvimento de uma vasta parcela do território português. A Sertã é talvez uma das vilas em melhores condições de o conseguir. Mas para tal será necessário repensar o seu território e mostrar habilidade no desenho de novos modelos e estratégias.A cidade só será viável e inclusiva para todo o Concelho se a sua área urbana incluir, por exemplo, um contínuo geográfico entre a Sertã e Cernache do Bonjardim, aglutinando, por exemplo, a freguesia do Cabeçudo. Podemos fazê-lo de várias maneiras, no entanto, temos de estar unidos e concertados nas soluções a adotar. Cernache do Bonjardim é um território fundamental nesta equação. Não pode ser deixado de lado nem se pode colocar de lado. No muito que li, nestes últimos dias, tive, por vezes, a sensação de que alguns – felizmente poucos – cernachenses comentavam o assunto como se estivessem a falar de algo que acontecia a muitos quilómetros de distância e que não lhes dizia respeito. Nada mais errado: Cernache do Bonjardim é parte ativa nesta questão, para não dizer que é também parte decisiva. Não podemos embarcar em discursos lamurientos, nem reavivar rivalidades bafientas que a todos prejudicam. Cernache do Bonjardim tem de ser capaz de olhar o futuro e impor-se como eixo fundamental na visão de cidade que foi preconizada pelo presidente da Câmara. Quem conhece um pouco da história de Cernache do Bonjardim sabe bem como se construiu esta vila e da importância de alguns homens e mulheres nessa tarefa. Aqui tivemos políticos notáveis como Abílio Marçal, que além de senador da República foi presidente da Câmara da Sertã. Junte-se-lhe Virgílio Nunes da Silva o presidente da Câmara da Sertã que, depois do incêndio dos Paços do Concelho de 1917, iniciou o longo processo que desembocaria na construção do edifício hoje existente. Adicione-se Possidónio Cabral, o primeiro cernachense a presidir à Câmara da Sertã depois de 1834. Todos estes cidadãos mostraram que só um Concelho unido pode procurar a transcendência. E é de transcendência que falamos quando nos referimos à ideia de Sertã Cidade.
Em Cernache, temos de explicar à população o alcance deste desígnio e sermos capazes de fazer novamente aquilo que as elites cernachenses do princípio do século XX fizeram: transformar Cernache do Bonjardim numa vila progressista e abandonar aquela visão atávica da pequena aldeia. Libânio Vaz Serra, Túllio Victorino, José Maria de Alcobia, Joaquim Godinho da Silva, Higino de Queirós e Melo, Cândido Teixeira, Joaquim de Paula Antunes, Silvino Santos, Maria Violante e muito outros conseguiram interpretar e fomentar essa visão de futuro, hoje infelizmente tão esquecida. Esta elite política, económica e cultural garantiu que Cernache do Bonjardim se tornasse numa das vilas mais dinâmicas do distrito de Castelo Branco. Pois, hoje, enfrentamos novo desafio. E talvez o maior desafio do último século: sermos capazes de agarrar esta oportunidade e unir esforços para que aqui nasça também a nova cidade. Não perderemos a nossa identidade, Cernache não deixará de ser Cernache. Todavia, teremos de ser capazes de fazer cedências, da mesma forma que a Sertã terá de as fazer. É um esforço conjunto. Porque desse esforço depende o nosso futuro e também o futuro dos nossos filhos. Recordo, por último, a lição que nos devia guiar nestes próximos tempos e que deve ser uma inspiração para todos: - Nuno Álvares Pereira nasceu em Cernache do Bonjardim, rezou na Sertã, conquistou Portugal e subiu aos altares no Vaticano. Um verdadeiro cidadão do mundo! Sejamos ambiciosos e não tenhamos medo de lutar por aquilo em que acreditamos.